28.10.05

O Teu Beijo

Na palma da mão vejo.
A morte que em ti esqueço.
Num par de asas secas.
Algemadas no teu beijo.

Voo contra a parede.
Num grito de desejo.
Cansada com o peso.
Que carrego do teu beijo.

No canto da boca escorre.
Mar entre dentes espreito.
Tesoura de pontas tortas.
Atravessada pelo teu beijo.

Leio tua boca encarnada.
Veia bloqueada e atada.
Carne vermelha te arranco.
Nas tuas costas o teu beijo.

Ar pelos pulmões entra.
Ferida aberta.
Unha cravada na língua.
Salivo pelo teu beijo.

Dentes pela boca alinhados.
Dedos pela mão curvados.
Cabelos emaranhados,

Pela tua mão.
Com o teu beijo.

15.10.05

Decisão

Li num jornal.
Que algures num país há uma empresa que transforma pessoas mortas em diamantes.
Através de um processo mais ou menos assim.
O corpo era cremado, as cinzas aquecidas a altas temperaturas, e ai formavam carvão e depois grafite, que era sujeita a grandes pressões e temperaturas formando diamantes, que podiam ser utilizados de diferentes maneiras.


Já decidi o que quero ser quando morrer.
Não, não quero ser um diamante, nunca fui uma jóia de pessoa.
Quero parar na parte da grafite e ser um lápis.
Mas antes de me cremarem tirem-me todo o sangue e façam uma caneta de tinta permanente, uma Parker, preta.

Para continuar a escrever,
Mesmo depois de morta.

10.10.05

Despedida de Ninguém

Declarado está o fim.
Previsto desde o inicio.
Simples e puro.
Saudades?
Não.
Arrependimento?
Não.
Apenas e só o final.
Com umas linhas de despedida e desculpa,
A todos, e a nenhuns que viram o inicio, o meio e agora lêem-me o fim.
De fundo preto e letra branca.
Como um quadro de escola, como um mármore de morte, como os momentos felizes da vida.

A todos que um dia caminharam pelo relógio a olhar para este quadro, esta lápide, este solilóquio.
Apresentado está.




Fim.

4.10.05

Dor de estômago

Acordo.
Enrolada a partir do estômago.
Desenrolo lentamente, esticando o dedo mindinho da mão direita.
E, espetando-o no meio do estômago.
Reacção normal.
Algo me suplica para abrir a boca, trincar a língua, mastigá-la bem e fazê-la escorregar pela garganta.
Para o estômago.
Desenrolo e volto a enrolar.
Agonia que vem de dentro.
Dor enjoada, através das entranhas.
Convulsões, descompassadas, do estômago.
Para os pulmões.
Enrolo e enrolo, uma bola de pêlo.
Preto, macio, curto.
Condensado numa esfera exacta de pêlo e bába ácida.
Que me queima do estômago até ao lugar da língua, desaparecida.
No momento em que estico o dedo indicador da mão direita, e o espeto no fundo da garganta.
Nasce uma bola de pêlo, negra e enrolada.
Respiro.