20.1.06

Afectação

Eu disse: - Porque não posso sentir?
Tu disseste: - Sentir o quê?
Eu disse: - Tu sabes.
Tu disseste: - Isso não é sentir, é ferir.
Eu disse: - O que é a dor se não um sentir? Porque não posso sentir o sangue a palpitar dentro da minha pele, intercepta-lo num sítio e fazê-lo correr?
Tu disseste: - Achas bem?
Eu disse: - Não acho nada, apenas sinto.
Tu disseste: - E sentes o que?
Eu disse: - A temperatura do sangue, o arranhar da lâmina na pele, a cor escarlate, a sede de me comer, o ardor da minha língua contornando os desenhos da alma.
Tu disseste: - E gostas?
Eu disse: - Sim.
Tu disseste: - Porquê?
Eu disse: - Não sei. É bom cuidar de mim.
Tu disseste: - Fode-te!
Eu disse: - Estou a tratar disso!
Tu disseste: - És maluca.
Eu disse: - Amo-te

11.1.06

Já me doi a respiração de tanta culpa.
Já me doi a pulsação de tanto sangue bombeado.
E o coração queima empolgado.
Numa testa-sepultura, desenterro fragmentos bem enterrados e mal mortos.
Ainda respiram os cães. Miao em tom de desespero.
Não percebo o que dizem.
Nesta sepultura de osso e carne há muitos segredos para eu descobrir.
Vou saquear o meu corpo.
Procurar o ouro e troca-lo, por coisas mais úteis à sanidade.

Essa puta que me começa a faltar.